"Precisamos, imperiosamente, que a política e a economia, em dialogo, se coloquem decididamente a serviço da vida, especialmente da vida humana." Laudato Si - Encíclica promulgada dia 18.junho.2015 |
em 19.junho.2015
http://decrescimentofeliz.blogspot.com.br/2015/06/papa-pede-acao-rapida-para-salvar.html
"A mudança climática é uma questão moral, não só porque afeta o planeta, mas porque ela prejudica sobretudo os pobres. Texto de Francisco foi escrito pensando nos menos favorecidos", opina John Berwick, da DW.
O papa Francisco apresentou no dia 18 de junho.2015 a primeira encíclica dedicada ao meio ambiente, na qual exige dos líderes globais uma ação rápida para salvar o planeta da destruição e defende uma mudança no que chamou de “cultura do consumo descartável” dos países desenvolvidos.
Na encíclica Laudato si – Sobre o cuidado da casa comum, Francisco defende “ações decisivas, aqui e agora,” para interromper a degradação ambiental e o aquecimento global e apoia explicitamente os cientistas que afirmam que o planeta está se aquecendo principalmente por causa da ação humana.
Ele afirma que se baseia “nos resultados da melhor investigação científica disponível” e chama o aquecimento global de “um dos principais desafios que a humanidade enfrenta em nossos dias”, destacando que os países pobres são os mais afetados.
“A humanidade é chamada a reconhecer a necessidade de mudanças de estilo de vida, produção e consumo, a fim de combater este aquecimento ou, pelo menos, as causas humanas que o produzem ou agravam”, afirma.
comércio de marfim continua em alta, cada dois chifres significa um elefante morto apenas para decoração das casas dos humanos |
Sacrifício dos mais ricos
Francisco defende que os países ricos devem sacrificar parte do seu crescimento e assim liberar recursos necessários aos países mais pobres. “Chegou a hora de aceitar crescer menos em algumas partes do mundo, disponibilizando recursos para outras partes poderem crescer de forma saudável”, escreveu o papa.
Ele apela às potências mundiais para salvarem o planeta, considerando que o consumismo ameaça destruir a Terra – transformada num “depósito de porcarias” – e denunciando o egoísmo econômico e social das nações mais ricas. “Hoje, tudo o que é frágil, como o ambiente, está indefeso em relação aos interesses do mercado divinizado, transformado em regra absoluta.”
No texto, Francisco critica um sistema econômico que aposta na mecanização para reduzir custos de produção e faz com que “o ser humano se vire contra si próprio”, defendendo que o valor do trabalho tem que ser respeitado numa “ecologia integral”.
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O Papa rejeita o argumento de que a tecnologia vai resolver todos os problemas ambientais (e que) a fome e a pobreza serão eliminadas simplesmente pelo crescimento do mercado.
“Uma vez mais, temos de rejeitar uma concepção mágica de mercado, que sugere que problemas possam ser resolvidos simplesmente por meio de um aumento nos lucros de empresas ou indivíduos.”
“Uma vez mais, temos de rejeitar uma concepção mágica de mercado, que sugere que problemas possam ser resolvidos simplesmente por meio de um aumento nos lucros de empresas ou indivíduos.”
O papa estabelece uma relação íntima entre os pobres e a fragilidade do planeta. “A convicção de que tudo está estreitamente interligado no mundo, a crítica do paradigma que deriva da tecnologia, a busca de outras maneiras de entender a economia e o progresso, o valor próprio de cada criatura, o sentido humano da ecologia, a grave responsabilidade da política, a cultura do descartável e a proposta de um novo estilo de vida são os eixos desta encíclica, inspirada na sensibilidade ecológica de Francisco de Assis”, lê-se no 16.º parágrafo do documento papal.
Energias renováveis e transgênicos
O papa também aborda diretamente alguns dos principais tópicos ambientais. Ele defende que o consumo de combustíveis fósseis seja banido o mais depressa possível em favor das energias renováveis. Essa mudança, porém, não será possível sem que os países mais ricos aceitem ajudar os mais pobres, escreve.
Francisco alerta para o perigo de dar o controle da água às multinacionais, manifestando-se contra a privatização do que chama de direito humano básico. “Enquanto se deteriora constantemente a qualidade da água disponível, em alguns lugares avança a tendência para privatizar este recurso escasso, convertido numa mercadoria que se regula pelas leis do mercado”, critica.
O líder da Igreja Católica refere-se ainda aos “pulmões do planeta”, repletos de biodiversidade, como a Amazônia, a bacia hidrográfica do Congo e outros grandes rios ou os glaciares, todos eles lugares importantes para “todo o planeta e para o futuro da humanidade”.
Francisco propõe ainda que se comece uma “discussão científica e social responsável e ampla” sobre o desenvolvimento e a utilização dos organismos geneticamente modificados para alimentação ou medicina.
“Embora não haja provas definitivas sobre eventuais malefícios dos cereais transgênicos para os seres humanos e estes tenham provocado um crescimento econômico que ajudou a resolver problemas, há dificuldades importantes” sobre o uso destes organismos que não podem ser esquecidas, alerta.
Segundo ele, o uso de transgênicos levou a que haja “concentração de terras produtivas nas mãos de poucos e o progressivo desaparecimento de pequenos produtores, que, tendo perdido as suas terras, tiveram que se retirar” da agricultura.
O papa também critica o uso excessivo das redes sociais. “A verdadeira sabedoria, produto da reflexão, do diálogo e do encontro generoso entre as pessoas, não se consegue com uma mera acumulação de dados que acabam em saturação e embaçamento, numa espécie de poluição mental”, escreve.
O pronunciamento papal mais controverso em meio século já despertou a ira de setores conservadores, incluindo vários candidatos presidenciais republicanos dos Estados Unidos, que criticaram Francisco por se aprofundar em questões científicas e políticas. O apelo papal, porém, ganhou amplos elogios de cientistas, das Nações Unidas e de ativistas ambientais.
Encíclica papal pode quebrar impasse sobre clima
Os americanos céticos das mudanças climáticas já estão indignados. Até agora, apenas um dos republicanos que concorrem à presidência dos EUA considera as alterações no clima como um possível perigo, e agora o papa pede providências em nome dos pobres, que são, segundo ele, os que pagam pela cobiça das nações mais ricas.
"O papa deveria ficar com o seu trabalho, e vamos ficar com o nosso", diz James Inhofe, presidente da Comissão de Meio Ambiente do Senado americano. "Acho que provavelmente seria melhor se deixarmos a ciência para os cientistas", acrescenta o senador Rick Santorum.
Na verdade, as afirmações científicas na encíclica papal são modestas. Elas repetem apenas argumentos partilhados pela esmagadora maioria dos especialistas em clima. O que há de novo é a maneira como o papa Francisco chama atenção para as implicações morais das descobertas deles.
A encíclica foi programada para o máximo impacto público antes da visita do papa aos Estados Unidos, em setembro, quando ele vai discursar no Congresso, em Washington, e nas Nações Unidas, em Nova York. Isso pode desempenhar um papel crucial para pressionar os líderes políticos a chegar a um acordo substancial na Cúpula do Clima de Paris, no fim do ano. E este parece ter sido seu objetivo.
A mudança climática é uma questão moral, não só porque temos o dever de salvar nosso planeta, pelo bem das gerações futuras, mas, mais imediatamente, porque os pobres do mundo são muito mais afetados pelas alterações climáticas do que os ricos. Os níveis do mar estão subindo. Ciclones ficam mais fortes; chuvas, mais imprevisíveis, e ondas de calor cada vez mais longas e mais fortes já estão atacando países onde as pessoas lutam para ter o suficiente para comer.
O problema com a abordagem moral, porém, é que há uma grande diferença entre reconhecer uma responsabilidade e viver de acordo com ela. Um estudo realizado neste ano pelo Instituto Ipsos indicou que a maioria dos americanos já vê a redução das emissões de carbono como uma "obrigação moral".
No estudo, 72% dos entrevistados disseram que até mesmo sentem responsabilidade moral de reduzir as emissões em suas vidas diárias. No entanto, isso não significa necessariamente que eles estejam prontos para reduzir as suas próprias viagens aéreas ou desistir de seus carros.
Em sua análise penetrante do debate sobre mudanças climáticas, Don't even think about it (nem sequer pense nisso), George Marshall expôs as razões para nossa surpreendente inação. Desde o pessimismo dos especialistas, que simplesmente nos deprime, até o que o cientista e cineasta Randy Olsen chamou de "o grande impronunciável" (que toda a discussão sobre o clima é, francamente, chata), parece que dificilmente qualquer um de nós está motivado a fazer qualquer coisa para resolver o problema.
E isso inclui até mesmo abraçadores de árvores. Você pode separar o seu lixo e, cuidadosamente, enviar seus jornais para a reciclagem, mas, em seguida, no crepúsculo da retidão moral, você pode muito bem decidir reservar um voo de longa distância. Marshall, que trabalhou por muitos anos para o Greenpeace nos Estados Unidos, diz que os ambientalistas precisam mudar seu discurso. Eles precisam se conectar à "reverência" que milhões de pessoas sentem por certos "valores sagrados." É exatamente isso que a encíclica do papa faz.
As palavras do título e de abertura, "laudato sie", são citadas do famoso Cântico das Criaturas, de São Francisco de Assis, em que o "pequeno homem pobre" das colinas da Úmbria, no século 13, comemorava seu parentesco com o universo, agradecendo a Deus pelo "irmão sol", a "irmã lua e as estrelas" e "a mãe Terra".
Não é por acaso que Francisco de Assis é uma das figuras mais amadas da história religiosa, mesmo para além das fronteiras do cristianismo. Sua afinidade com o universo pode parecer sentimental para negociadores pragmáticos, mas recontada e explicada pelo papa argentino, pode influenciar milhões de eleitores americanos. E isso, por sua vez, pode vir a quebrar o atual impasse no debate sobre as mudanças climáticas." - conclui Berwick.
Fonte: DW
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